Saturday 10 February 2007

Referendo retórico

“ABORTO
Lei pode ser alterada mesmo que vença o "Não"
A Lei da interrupção Voluntária da Gravidez pode ser alterada mesmo que o "Não" vença no referendo de domingo, revelou esta sexta-feira um grupo de seis constitucionalistas que estudaram a questão. (...)«Mesmo que ganhe o "Não" isso não quer dizer que depois não sejam introduzidas na lei as melhorias que têm sido sugeridas pelos vários movimentos», explica Tiago Duarte.”
www.tsf.pt

Afinal, nem tudo estará perdido se o “Sim” ganhar! Na muito remota possibilidade de um movimento que exija o cumprimento da Constituição se vier a gerar, os nossos constitucionalistas arranjarão maneira de incluir na lei o respeito pela opção do homem.

Afinal de contas não merece a pena ir às urnas amanhã porque os paizinhos da nação lá arranjarão maneira de editar, alterar, inverter, ignorar, qualquer resposta que se lhes dê. Principalmente se for “NÃO”

Thursday 8 February 2007

O argumento espúrio

Acabei de encontrar esta coisa em:

http://www.euvotosim.org/argumentos-do-nao

“A necessidade da autorização do pai
Alguns defensores do Não argumentam que a autorização do pai do embrião deveria ser necessária para a realização de um aborto. Este argumento esbarra na incapacidade prática de se saber quem é esse pai
antes das 11 a 13 semanas de gravidez. Após este prazo, existem testes, mas que que implicam riscos de malformação fetal. Por isso, até às 10 semanas, apenas a mulher sabe com quem teve relações sexuais e quem poderá ser o pai do embrião, mas ela pode não o querer confessar. Mesmo que a mulher afirme que o pai é um determinado homem, e mesmo que esse homem confirme, não há forma de se saber, antes da realização do aborto, se eles estão a falar verdade. É espúrio condicionar legalmente a realização do aborto ao assentimento de um qualquer homem, quando não se sabe se, de facto, esse homem é mesmo o pai do embrião a abortar.”
(negrito meu)

Para estas pessoas, a ÚNICA refutação do argumento de que o pai aparente possa ter o direito de ter algum voto na matéria, é... porque não se pode provar que ele é realmente o dador de esperma. Já não vamos ao extremo despautério de dar ouvidos ao homem que acredita ser o responsável por aquela gravidez. Agora, mesmo que a mulher diga que não senhor, que tem a certeza que só podia ter sido aquele, despacha-se o caso com: “Mas nenhum de vocês o pode provar -ou pode? Pois aí tens, que é bem feita! Tu, dador de esperma ambulante, vai mas é lá pá a casota do jardim que está a precisar de pintura e vê lá se não te metes em assuntos de mulheres! E tu, amiga, companheira, mulher, a decisão é só tua. Não penses nele e nos seus disparates de homem, que tu pertences a uma grande irmandade de amazonas e não tens nada que andar para aí a dizer de que te lembras com quem foste para a cama. Se tu decidires ter a criança, então a gente já lhe pode fazer um teste de ADN que não custa nada e então sim, pedimos contas ao malandro, ‘tás a ouvir?”

Tuesday 6 February 2007

Artigo13 vs. Referendo

Não conheço, não sei se foram publicados, os raciocínios que suportaram a decisão do Tribunal Constitucional na sua decisão da constitucionalidade da pergunta feita no referendo ao aborto. Eu não sou ninguém e muito menos juiz, mas a mim parece-me claro que, pela inclusão da cláusula “por opção da mulher”, ela entra em conflito com o artigo 13 da Constituição da República.

Artigo 13.º
(Princípio da igualdade)
1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de (...) sexo (...)


Estabeleçamos que está em causa neste referendo apenas uma gravidez indesejada pela mulher (pelo menos), resultante de uma relação sexual na qual ela consentiu. Disto ninguém pode ter dúvidas uma vez que a lei vigente já considera há 23 anos que uma mulher que foi vítima do crime de violação pode obter a terminação dessa gravidez, -esperemos que- “em estabelecimento de saúde legalmente autorizado”. O que consiste uma “violação” é, naturalmente, um terreno delicadíssimo, cheio de nuances e gradações e se porventura as leis que se lhe dirigem não forem apropriadas, então que se trate já de as rever. Para este caso, só nos interessa uma mulher que decida terminar a sua gravidez e em absolutamente nenhuma altura do processo alega ter sido violada; e se não foi violada, consentiu. Parece-me que até aqui estamos todos de acordo.

Estabeleçamos também que toda a gente sabe que não existe nenhum método contraceptivo absolutamente infalível (nem mesmo a vasectomia e.g. http://www.guardian.co.uk/weekend/story/0,,1976861,00.html). Que ninguém me diga que qualquer pessoa de 15 anos, vá, não tem pelo menos uma ideia disto. É uma falácia pretender-se que a falta de uma, em todo o caso desejável, formal educação sexual nas escolas e nos lares é responsável por mais do que um par de gravidezes indesejadas por ano.
Também é o caso de terem as mulheres mais métodos contraceptivos à sua disposição do que o têm os homens. Se isso se fica a dever a politicas deliberadas ou a contingencias biológicas e do estado da ciência, também se poderia debater, mas é um facto. Acresce que, por via de serem as raparigas a atingirem a puberdade mais cedo que os rapazes e alguém lhes ter de explicar ao que vêm aqueles incómodos e de serem as mulheres que correm o risco de ficar fisicamente grávidas, elas desenvolvem um tecido de informação entre si, uma cumplicidade de intimidades a que os rapazes (heterossexuais) nos seus magotes, são estranhos e se chegam a trocar ideias sobre sexo tendem a fazê-lo em termos meramente recreativos. Quero com isto dizer, que até no caso da educação sexual informal são os homens, não as mulheres, que estarão em desvantagem.
Mas voltemos ao ideal que é uma mulher e um homem adulto (para o caso, “adulto” será um indivíduo capaz de se reproduzir) estarem completamente conscientes das consequências dos seus actos e ao nível das suas responsabilidades.
Antes que me tome por puritano ou moralista, deixa-me que lhe diga que, antes pelo contrário, me considero um libertário e um libertário que também cede, alas!, ao seus hedonismos -o que só contribuiu para a minha capacidade de compaixão pelos disparates dos outros.
As pessoas adultas cometem asneiras. As pessoas adultas metem-se em alhadas. Se as pessoas adultas se encontram em alhadas e se para delas saírem, para as resolverem, não interferirem com mais ninguém (completamente impossível, claro, mas isso é outra história e você percebe muito bem o que eu quero dizer), eu não lhe poderei forçar os meus padrões morais, os meus princípios de ética. Quando, por outro lado, a solução do problema de um indivíduo (que lá terá a sua consciência, os seus deuses ou as suas éticas) implicar tão profundamente, tão obviamente, tão drasticamente com a vida de outrem (outrem esse que tem todo o direito a ter as suas próprias convicções, as suas crenças), então essa solução deixa de poder ser considerada apenas por um dos lados da equação.
(Ignoro aqui a terceira parte envolvida porque dela outros tomam conta)
Toda a gente sabe que, aparte da ténia e do cavalo-marinho, se não estou em erro, são as fêmeas das espécies que geram as crias. É uma realidade da qual ninguém tem culpa, nem mesmo os homens que têm a culpa de tudo. Será um fardo para a fêmea -concordarei e simpatizarei; mas não há nada no mundo que eu ou quem quer que seja no globo possa fazer em relação a isso. Também são muitos os testemunhos da “felicidade inigualável”, da “experiência transcendental” que será gerar e, apesar da imensa dor, parir um filho, coisa que os machos nunca experienciarão –o que é que uma pessoa pode fazer?! É assim a vida, olha!...
É claro que o sexo é praticado por razões milhentas que não serão as reprodutivas, tanto na nossa espécie, como em tantas outras –será, portanto, natural que tanto um homem como uma mulher a ele se dediquem sem intenção nenhuma de daí resultar uma gravidez.
Mas se um acidente acontecer, é um acidente que definitivamente acontece aos dois; a única diferença é que é só a ela que acontece fisicamente. Mas uma gravidez não é só uma coisa física. Uma gravidez é também profundamente emocional, envolve a saúde física e psíquica da mulher e a do homem (já lá vamos), considerações financeiras, morais, éticas, planos de vida e um nunca mais acabar de aspectos.
Ora se o sexo genital entre um homem e uma mulher é um acidente-á-espera-de-acontecer e se ele acontece, acontecerá aos dois, por que carga d’água poderia só um deles optar por continuar ou terminar uma gravidez?!
O mantra “é o meu corpo, é a minha escolha” parece, à primeira vista, lógico, óbvio e feminista. Permita-se-me, a mim que sou feminista (e também masculista, por falência do feminismo), discordar. Por que não ser feminista até às últimas consequências e juntar ao “é o meu corpo” e à “é a minha escolha”, “é a minha responsabilidade”? Isto é, a meu ver (ver de feminista, repito), uma mulher só pode ser verdadeiramente liberta quando não precisa de homem nenhum para considerar as suas opções. Ora não entram nas considerações de uma mulher de levar ou não levar a gravidez a bom termo, o facto de ele haver um homem que as leis da sociedade obrigam a providenciar financeiramente pela sua opção se ela for de facto a de ter a criança?... Bom, de facto não entram. E não entram porque é um dado adquirido. Que espécie de independência é a de uma mulher que espera que um homem pague por uma opção que é só sua?! Se uma pessoa defender o aborto livre (que é definitivamente o caso) até às 10 semanas “porque é uma decisão do foro íntimo de cada um”, por que negar isso mesmo ao homem, que também é “um”? Por que não permitir ao homem dizer durante as primeiras 10 semanas que ele não está preparado financeiramente, psicologicamente, emocionalmente o que quer que sejamente (pois que é isso exactamente que se está a oferecer à mulher) para ter aquela criança, para contribuir para o seu sustento financeiro até ela atingir a maturidade, para a acompanhar, para a amar? Por que não permitir-lhe o aborto administrativo, pois que não pode fisicamente fazer outra coisa? Por que exigir ao homem responsabilidade pelos seus actos, quando à mulher se pretende permitir que não a tenha que assumir?! (e.g. http://www.childsupportanalysis.co.uk/analysis_and_opinion/c4m/c4m_details.htm)
Faz-me imensa confusão como as pessoas que se dizem feministas (ou que tenham um discurso de ressonâncias feministas) esperam que a sociedade proteja as mulheres de alguma forma especial, infantilizando-as. O feminismo desta gente é na realidade uma sequela do pensamento patriarcal que acredita(va) que o acto sexual entre um homem e uma mulher, só a ele interessa(va) –sendo uma mulher que se dedique ao sexo pelo sexo pouco mais que uma vadia. E o raciocínio continua logicamente: como ele é o que cede às tentações da carne e que as goza, muito judaico-cristãmente e com muita culpa, ele é que terá de pagar de uma forma ou de outra por qualquer consequência –o prazer paga-se. Ela, por outro lado, coitada, que lá o deixou dar largas aos seus desejos; ela, passiva, que lá aturou aquilo tudo a muito custo, se tiver a grande desgraça de engravidar em resultado do prazer dele é lógico que se não lhe podem pedir contas -pelo contrário, tem-se mas é que protegê-la. (Convém recordar que estamos a falar de casos outros que não o da violação, embora, claro “todos os homens (sejam) violadores”, como há muito a nossa amiga Marilyn French nos esclareceu.) Ora isso parece-me ser um insulto às mulheres, à sua maioridade, ao seu direito de irem para a cama com quem muito bem entenderem e de estarem prontas a, tanto como a um homem se exige, enfrentar as consequências. Ou não, se se defender a ideia de que até às 10 semanas o que está dentro dela não é mais que uma “coisa humana” da qual ela, apoiada pelo Estado, se pode ver livre.
Quanto à realidade de esse embrião estar de facto dentro do corpo dela: Bom, a única resposta é, repita-se porque é verdade: ela sabia os riscos que corria, ela aceitou corrê-los.
Eu compreendo perfeitamente a gravidade da situação, pondero e posso ter empatia por todas as situações (de álcool, de loucura amorosa desabrida, de pura estupidez momentânea... eu sei lá!), mas não posso, ninguém pode, ignorar que no momento em que a situação foi criada (i.e. no momento do acto sexual) tanto ela como ele deitaram fora as suas totais independências. Conscientes, como têm de estar (a ele o Estado e o defensores do “sim”, exigem-no), de que se um espermatozóide penetrar um óvulo uma terceira realidade passa a existir –com 50% de informação genética dela e 50% de informação genética dele- se isso vier acontecer eles passam a ter que responder, não só a essa terceira realidade (onde o debate entre o “não” e o “sim” se centra), mas cada um perante o outro. Se isso a transforma numa mala, ela aceitou implicitamente poder vir a ser uma mala no momento em que não disse claramente que “NÃO”, foi nesse momento que ela deu o seu Fiat.
Ora ele também deu o seu assentimento –mais ou menos conscientemente (até porque ele podia ter sido o que estava com os copos, vá, e ela quem estava sóbria)- toda a gente concorda que ele abdicou de poder dizer que não às consequências.

Vamos supor que ele as quer honrar. Vamos supor que ele tem valores diferentes dos dela e que acha que abortar é matar um “bebé”? Quando os defensores do “sim” dizem que os defensores do “não” estão a querer impor os seus valores aos outros, esquecer-se-ão que defendendo o “sim” à opção apenas da mulher estão precisamente a abrir portas a que os valores da mulher sejam imposto aos do homem?
E se ele acreditar, por este ou por aquele motivo -que ninguém tem nada a ver com isso- que abortar é errado, completamente inaceitável até? Ele sabe que sem ele a questão de abortar ou não abortar nunca teria sido posta. Ele sabe que a sua pessoa é central no assunto. É também o seu ADN que ali está, dentro dela e que foi ele que o lá pôs; ele está disposto a financiar, criar sozinho, amar aquela filha ou aquele filho, ele quer assumir a sua responsabilidade, ele quer evitar o aborto (que toda a gente diz que é indesejável) e o Estado não o deixa. Isto parece-me completamente absurdo.

Mas vamos obrigar agora uma mulher a carregar e ter um filho que não deseja? Não sei, o que eu sei é que vamos continuar a obrigar um homem a ter um filho que não deseja, não só por 9 meses mas para todo o sempre, se uma mulher decidir não abortar -e ninguém pestaneja.

Uma outra questão que é tão fácil e escandalosamente menorizada, se referida de todo, é a dos efeitos devastadores que o aborto pode ter nos homens. Pode não ter, como pode não ter nas mulheres, mas os estudos que existem (que não são muitos, por várias razões, mas que os há. e.g. http://www.futureshaping.com/shostak/pages/essayAbortion.html) indicam que tem. De resto, seria presumir que os homens são incapazes de se envolver emocionalmente com o feto, o que é uma presunção ultrajante e uma descarada mentira. (Isto já para não falar dos reflexos no homem, dos eventuais traumas pós-aborto que a mulher poderá vir a experienciar, principalmente se os dois estiverem envolvidos emocionalmente)
Um aborto pode, definitivamente, ter efeitos assoladores num homem. Dos vagos sentimentos de culpa, que é impossível um homem normal não ter, ao extremo do suicídio onde alguns acabam, os efeitos na sua saúde psíquica (por exemplo, obsessões e compulsões) e, por consequência, física (por exemplo, impotência), podem ser inúmeros. A sua vida social pode cair em completa ruína (por exemplo, pelo abuso de álcool) a sua vida, em suma, pode tornar-se um inferno. Então por que não poderá o homem pedir contas a uma mulher que optou e que assim o fazendo o arrastou? Por que não apoiará o Estado um seu cidadão lesado por outro? Por que vai o Estado mais longe, e antes pelo contrário, permitir que legalmente um cidadão possa vir a lesar outro?!
“Mas isto está tudo maluco, ou quê?”, disse no outro dia uma senhora que apoia este “sim”. Concordei com ela plenamente.

A saloiice dos muitos tantos que constantemente se referem à “Europa”, aos “países civilizados”; a estreiteza de ideias dos que usam essa horrível expressão, tão portuguesa e pequenina, “lá fora” é também confrangedora. Não só é a admissão da sua falta de capacidade de pensar inovativa e independentemente, o vocalizar do seu complexo de inferioridade (de resto completamente justificável), como acontece que dentro do “lá fora” deles, a questão do aborto não é pacífica. Nem mesmo, justamente, no questionar do desequilíbrio das leis que dizem respeito aos direitos reprodutivos; direitos esses que as mulheres sempre vão tendo e que aos homens são negados. Completamente. Sumariamente. Injustamente.
Dê-se o exemplo (
http://news.bbc.co.uk/1/hi/health/1229473.stm) de processos judiciais iniciados por homens contra a intenção de abortar de mulheres com quem eles tiveram relações sexuais por elas consentidas (perderam, está claro) –isto no Reino Unido, onde vivo. Refira-se os casos que vão acontecendo nos E.U.A. (por exemplo: http://www.nationalcenterformen.org/page7.shtml) onde também perdem nos tribunais os homens que se pretendem recusar a pagar do seu bolso por crianças que eles nunca desejaram.
Se uma pessoa se der ao trabalho de pensar por si um bocadinho em vez de olhar embasbacada para “o estrangeiro”, ou se de facto quiser fazer uma observação decente do que se passa nesse tal “estrangeiro”, aperceber-se-á que as leis referentes aos direitos reprodutivos estão atrasadas, sim, mas estão-no pelo mundo fora! Os homens vão acordando para a reclamação dos seus direitos (e as mulheres verdadeiramente feministas e decentes vão-se-lhes juntando); estremunhados ainda, vão começando a exigir o fim da descriminação negativa que sofrem em virtude do seu sexo, neste aspecto dos direitos reprodutivos como em tantos outros. Não se trata aqui do backlash bacoco, tão bacocamente fácil de apontar e até ridicularizar. Trata-se de um assunto seríssimo e é nem mais nem menos que a continuação do raciocínio (em tempos aceitavelmente chamado feminismo) promovedor da igualdade entre os sexos perante a lei e nas atitudes da sociedade. Na sua pressa provinciana de seguir e de se pôr a par, Portugal perde mais uma oportunidade de crescer mentalmente e de se tornar um país adulto. Em vez de discutir ideias próprias e olhar para o futuro, em último recurso, envergonhadamente, aponta o exemplo que “nos países civilizados” onde a civilização realmente não pára. Olha para o passado dos outros e quere-o como presente para si. Que vergonha!

Este referendo é obsceno. Na minha opinião ele pretende negar aos cidadãos portugueses do sexo masculino qualquer espécie de dignidade, pessoal ou social. Ele pretende dar aos cidadãos portugueses do sexo feminino, se não benefícios, pelo menos privilégios. Dá o direito de opção à mulher e nega-o ao homem. Isenta a mulher de deveres (o dever de respeitar os direitos dos homens, por exemplo) continuando-se presumivelmente a exigir-se os deveres dos homens (de ser pai, pelo menos financeiramente). Isto tudo porquê? Porque em razão do seu sexo, em razão dum incontornável facto biológico, a mulher pode gerar filhos dentro dela e o homem não pode. Isto parece-me de um sexismo insustentável. Seria dar-se (confirmar-se) um poder ao útero em tudo equivalente ao que, no tempo das cavernas (que não foi há tanto tempo assim), se atribuía ao músculo bruto dos homens.
A pergunta não pode sequer ser feita, quanto mais respondida positivamente. Se eu tivesse o direito de votar neste referendo, que não tenho (por o voto em referendos ser presencial, vá lá uma pessoa saber por quê), duas coisas eu poderia fazer: ou me absteria, pelo princípio de não se dever dar resposta a perguntas estúpidas ou insultuosas, ou votaria “Não”, claro que NÃO! Se esta minha contribuição puder mudar o voto de uma concidadã minha ou de um concidadão meu nesse sentido, terei participado de alguma forma.

Tenho uma muito ténue esperança de encontrar um ou outro ouvido simpatizante com a posição que aqui exponho –Quem sabe até o de alguém disposto a fazer o que quer que seja (algum bom advogado na sala?) para que, caso o “Sim” vença, impedir que uma lei de um teor tão pornograficamente SEXISTA venha alguma vez a existir em Portugal. Surpreender-me-ia porém que houvesse muita gente a querer contribuir para este blogue, o que é pena porque, goste-se do meu modo de dizer as coisas ou não, o certo é que o assunto não vai desaparecer -vai crescer. Nenhuma forma de descriminação é aceitável e a misandria é tão abominável como a misoginia.

Estamos a cinco dias do referendo. É urgentíssimo divulgar o que acabo de escrever e por isso paro aqui, por ora, que ainda tenho de perceber como se faz um blogue! Voltarei para, por exemplo, denunciar a hipocrisia dos defensores do direito à escolha excelentemente ilustrada no caso de Natallie Evans (http://cmiskp.echr.coe.int/tkp197/view.asp?item=1&portal=hbkm&action=html&highlight=natallie%20%7C%20evans&sessionid=10399259&skin=hudoc-en, http://www.prochoiceforum.org.uk/ocrrt3.asp), que ainda não teve o seu ponto final, e para acrescentar mais umas coisas.